segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Quando a empresa derrapa na falta de transparência

A mídia, os públicos, os clientes e os funcionários não costumam poupar as organizações que optam pela não transparência e, quando as crises pipocam, a represália é inevitável.

Essa é a situação pela qual vive a Gol, uma das empresas que integra o quase duopólio do transporte aéreo brasileiro e que se vê envolvida num tiroteio sem precedentes, em que os protagonistas armados são nada mais nada menos do que os seus próprios funcionários.

Denúncias de salários baixos, de não respeito às escalas e às horas regimentais de trabalho nas empresas áreas, de autoritarismo, de clima organizacional irrespirável e de incompetência da gestão da Gol pululam na imprensa que, como costuma acontecer nesses momentos, deita e rola sobre a imagem e a reputação de uma empresa importante.

Mas por que esses fatos lamentáveis e que tanto penalizam os chamados ativos intangíveis das empresas continuam se repetindo, com alguma freqüência, no mercado nacional e internacional? Pois é, tivemos o episódio da Toyota nos Estados Unidos, da Volks, com o banco do Fox, da Merck, com o Vioxx, e muitos outros , tantos que, se fossem citados, ocupariam todo o espaço deste artigo. Já tivemos o apagão e o acidente da TAM em Congonhas e agora esta absoluta falta de competência de gestão da crise da Gol. E pensar que, recentemente, ela andou proclamando a criação de uma área de comunicação corporativa!

Tudo acontece porque algumas culturas organizações não se deram conta ainda de que o mundo mudou, que é preciso andar rigorosamente na linha, que afrontas à ética, à transparência e ao profissionalismo são pagas com juros altíssimos.

Não adiantam comunicados de página inteira nos jornais ou declarações com o objetivo de mudar o foco da crise porque há milhares de testemunhas e olhos atentos às mazelas empresariais. Cada vez mais. E há redes sociais atuantes que fazem girar a roda com maior velocidade, imprimindo derrotas acachapantes às organizações que ousam insistir com a adoção de processos de gestão dinossaúricos e uma comunicação ineficaz.

O importante é que não apenas a Gol está mais uma vez aprendendo a lição (o seu maior executivo andou tempos atrás freqüentando as manchetes no noticiário policial), mas estão vestindo a carapuça todas as organizações que permanecem paradas no tempo, acreditando que é possível tapar o sol com a peneira, pressionar os funcionários descontentes para que fiquem de boca fechada, desrespeitar o consumidor e a legislação.

O cenário não está definitivamente favorável para empresas que pisam na bola e que colocam os interesses comerciais acima do interesse dos cidadãos. Mentir em público é postura de alto risco e a Gol, com a desculpa de problema com o software que organiza as escalas da tripulação, desmentido pelo fabricante, apenas fez atiçar os ânimos. A crise estava sendo mantida debaixo do tapete mas água fervendo em chaleira tapada (ou uma panela de pressão seria uma metáfora mais adequada?), constitui história que nunca acaba bem e foi o que ocorreu: houve uma explosão daquelas e a imagem e a reputação da empresa acabaram em cacos, distribuídos exemplarmente por jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, e degradadas rapidamente nos 140 toques de milhares de tweetes.

As empresas precisam, de uma vez por todas, acordar para a realidade que é dura para quem não tem olhos para enxergar: não há alternativa que não seja a transparência, a gestão democrática, o esforço para a manutenção de uma gestão de pessoas competente. As empresas que não cultivam o diálogo não podem esperar a benevolência dos stakeholders e as que se valem do assédio moral para pressionar os seus públicos internos não esperem contar com o apoio deles quando a crise explode.

Não sabemos como o tiroteio vai acabar, mesmo porque episódios lamentáveis, que respingam nas agências reguladoras (a ANAC novamente evidenciou sua incompetência, hein?), acabam sendo incorporadas ao horário político-eleitoral e especialmente caem na boca do povo e dos jornalistas. E aí continuam pipocando por muito tempo.

Certamente, a Gol está contribuindo com mais um caso emblemático de péssimo gerenciamento de crise ( é desmentida a todo momento), má gestão de pessoas e de comunicação , que, em empresas do mesmo tipo, não serão jamais profissionalizadas porque assumida como uma perspectiva não estratégica, a reboque de chefias autoritárias e que apostam (equivocadamente como vemos) no falseamento da verdade como saída para enfrentar problemas reais.

É desta forma, com má comunicação e gestão incompetente, que imagens e reputações acabam no fundo do poço. Um preço a pagar por organizações que voltam as costas para clientes e funcionários, talvez acreditando que eles tenham memória curta, e na impunidade dos órgãos de controle e fiscalização que têm sido tolerantes com quem agride os direitos dos cidadãos.

Se a Gol tem culpa no cartório (alguém ainda duvida?), que pague exemplarmente, assim como todas as empresas ou governos que tomam decisões erradas, se comunicam precariamente e, arrogantemente, se julgam acima de qualquer suspeita.

A Justiça poderá até ser complacente com organizações com esse perfil, mas felizmente a opinião pública e a mídia cumprirão o seu papel.

Um Gol contra formidável. Poucas vezes se viu uma imagem e uma reputação derraparem tão sem controle. Definitivamente, a Gol não anda voando em céu de brigadeiro. Quando a transparência é deixada de lado, só há uma constatação possível: a turbulência é inevitável. Bem feito.

Em tempo: nossa solidariedade aos funcionários da Gol que têm, na retaguarda ou na linha de frente, sofrido com os atrasos e cancelamentos de vôos, com o número de horas trabalhadas em excesso (a imprensa e o sindicato garantem isso ou não é verdade?) e a revolta de passageiros estressados (com razão). Há sempre alternativas melhores no mercado, não é verdade? Ou as empresas aéreas são todas iguais?



* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa. Editor de 4 sites temáticos e de 4 revistas digitais de comunicação.

Texto publicado no Portal Imprensa

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